quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Fadas e Desejos


Há muito tempo, quando homens vestiam pesadas armaduras de metal para batalhar, quando dragões ainda podiam ser vistos pelos céus, quando a magia era ensinada nas escolas locais de cada reino, fadas habitavam a Floresta de Niquebelt. Esses pequenos seres eram guardados pelo povo da floresta, como os elfos que lá viviam eram conhecidos pelos humanos que perto habitavam. Ninguém de fora podia ao menos entrar ali. Esse rígido controle era necessário, já que muitas magias necessitavam (por incrível que pareça) de ingredientes como asas de fada, bem como do seu pó mágico capaz de ampliar o poder de um simples raio ou brasa, transformando em tempestade e bolas de fogo gigantes.

A cidade mais próxima desta floresta era conhecida como Morada do Vento. O som da mais simples brisa ressoando pelas montanhas parecia como uma sinfonia tocada por anjos e seus instrumentos celestes, o vento ali falava. Lá morava o jovem Robert. Era bastante conhecido por ser um exímio caçador. Até os elfos o respeitavam, sabiam que apenas caçava por necessidade e não por diversão (motivo pelo qual muitas pessoas acidentalmente morrem nas florestas). No arco e flecha era comparável ao mais bem treinado patrulheiro de todo o reino. Na espada era temido pela sua determinação e paixão com que treinava e, raríssimas vezes, atacava algum agressor. Nem tudo era perfeito. Existiam alguns seres que atacavam a cidade em busca da passagem para a floresta. Claro que eram combatidos com fervor. Todos sabiam das antigas alianças entre humanos e elfos, isso é dos tempos dos avôs de meus avôs.

Robert não nasceu numa família rica, não tinham, a princípio, muito acesso a armas e equipamentos bons. Tudo o que ele conseguiu foi com muito esforço e dedicação. Sir Lício de Burbom o tomou como discípulo e o treinou nas artes da guerra e estratégia. O seu fiel amigo, o elfo Bethovirian, com o arco e flecha. Tudo foi bancado por eles, viam que o jovem tinha muito futuro. E estavam certos. A cada dia mostrava isso.

Tudo levava a crer que seria a mesma rotina, parecia mais um dia como outro qualquer. Estavam enganados. Robert foi para o seu quarto. Morava com os pais, era filho único. Ao deitar em sua cama, percebeu uma sombra na parede. Ágil, pegou ao lado uma caneca que antes continha hidromel e rapidamente se pôs de pé. Olhou em direção à sombra, mas não viu mais nada. Com toda a destreza que só um campeão possuía, rolou pelo chão e usou a caneca para prender algo que voava baixo, poucos palmos do chão. Não conseguia ver o que era naquela penumbra. Caminhou para perto de uma vela e afastou um pouco a sua mão esquerda. Para sua imensa surpresa, era um pequeno ser que parecia muito com o seu instrutor de arco e flecha (a não ser o fato de ter asas, e ser muito menor que ele). Espantado, deixou a caneca cair e o pequeno ser saiu voando em direção ao seu rosto. O mais diferente é que aquilo fala. E tem voz feminina. Uma vozinha fininha, mas muito bonita.

Demorou ainda algum tempo para perceber que se tratava de uma fada. Afinal, não era todo dia que se encontrava uma fada em seu quarto, em sua cidade. Elas nunca haviam sido vistas por ali, muito menos em um quarto de alguém.

- Não gostei do que fez comigo, seu grosso! – disse a pequenina.
- Me desculpe. Não sabia que era uma fada. Por favor, me perdoe. – suplica o rapaz.

A pequena fadinha voa em volta de Robert e, fazendo uma cara de desaprovação, fala:

- Então é você... Não esperava que fosse um humano, pensei que fosse um elfo, um centauro, um sátiro ou alguém do tipo. Nunca imaginei que fosse alguém como você...
- Alguém como eu? – pergunta Robert.
- Sim, era você quem eu procurava. Tudo depende de você. Vamos. Venha comigo. Quanto mais o tempo passar, mais difícil ficará para controlarmos a situação e conseguirmos vencer. – responde a pequeninha, abrindo um pequeno saquinho que levava consigo e despejando o seu conteúdo na cabeça do, agora, assustado rapaz.

De repente, Robert começa a flutuar. Era um tanto quanto assustador, nunca tinha feito isso.

- Relaxe. Pense em coisas boas. Venha comigo. – diz a fadinha, abrindo a janela do quarto facilmente, num passe de mágica.

O desengonçado Robert pede para descer, diz que quer voltar, mas flutua em direção à janela. O vento batendo faz...

- Yure? Yure? Acorda, Yure. Tá na hora do seu remédio.
- Eu tava sonhando, mãe. Eu era um guerreiro que encontrou uma fada e...
- Certo, certo. Eu sei que é difícil essa etapa. Você sabe o quanto seu pai e eu estamos lutando para conseguir mais tempo, não sabe?
- Sim, não precisa me dizer nada. Eu ouvi o médico dizendo que não tenho mais muito tempo para conseguir o transplante. Eu ainda não estava dormindo... Mãe? Abre a janela pra mim?
- Não posso, meu filho. Você sabe que não pode pegar nenhuma infecção, nada.
- Mãe, eu estou esperando alguém. Ela virá hoje, eu sei. Ela tem um pozinho que carrega consigo que faz com que a magia aconteça.
- Yure...
- Mãe, você tem que acreditar para a magia acontecer. Você acredita?

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Jogo


Suando frio eu estava. Tenso, nervoso, agoniado, angustiado. Todos os adjetivos do tipo que se enquadram estavam presentes comigo neste momento. Mãos suando. As cartas pareciam escorregar pelos meus dedos. As escondi com a face virada para baixo na mesa. Bobeira. Não posso marcar bobeira e me denunciar. O pessoal aqui é experiente, não iam deixar um novato como eu ganhar essa bolada.

Concentração. Muita concentração. Foco. Foco. Vamos. Vamos voltar à mesa. Analisar a situação. Tenho um par de ases. Acabou de virar mais um ás, já faz uma trinca. Isso é bom demais, está tudo caminhando para um belo desfecho. Não posso me denunciar. Estou aqui na terceira posição, pelo menos, do campeonato. Só enfrentei gente profissional, mas estou aqui, na final. Eu posso. Eu consigo.

Por uns instantes, fui para o meu refúgio, minha mente. Lembrei o que meu pai falava sobre jogo. Ele sempre foi um jogador compulsivo, isso que estragou nossas vidas. Eu sei disso. Não estou jogando por prazer ou lazer. Estou aqui porque estou precisando muito mesmo de dinheiro. Essa oportunidade não vai aparecer tão cedo. Foi ontem que recebi a notícia, pelo rádio...

“Estamos aqui para o sorteio mais aguardado dos últimos tempos: uma oportunidade de disputar o Torneio de Pôquer da Associação Regional e tentar ganhar o grande prêmio – um milhão de reais!” – anunciou o locutor. Muitos tentaram se inscrever, mas poucos conseguiram. Estou com tanta dívida que tentar ganhar este prêmio seria a minha salvação. Eu e minha esposa lutamos muito, mas acabamos perdendo a nossa casa, carro e economias para sanar as dívidas do meu pai. Ela não ficou nem um pouco feliz por eu ser o sorteado, nem sabia que eu tinha me inscrito para participar. Ficou com cara feia até quando eu cheguei à grande final. Agora está me apoiando. Vai entender as mulheres...

“Senhor Hélio, por favor, é a sua vez” – falou a moça da mesa. Perdi-me novamente nos meus pensamentos e não prestei atenção à mesa. Vejo que existe uma possibilidade de flush, o que não seria muito saudável para as minhas intenções.

Estão aumentando a aposta. Eu vou nessa, vou aumentando também. O cara do meu lado é um conhecido jogador internacional. Ao lado dele, um jogador local muito famoso também. Eu sou o único qualquer. O ar de superioridade dos dois me enoja. Vamos ver se vão rir ou chorar, no final. Nervoso, puxo uma rosquinha aqui do meu lado. Preciso de açúcar.

As gotas de suor desciam pela minha face e dificultavam minha visão. Estava calor, mesmo com aquele ar-condicionado, ou estaria eu passando mal? Não poderia ter um ataque, ou algo do tipo. Tenho que continuar.

Aumento a aposta e me concentro em não demonstrar emoção. Tento fugir para minha mente, novamente. Todos me acompanham. Novamente subo a aposta. Merda. O campeão local deu all in. Tô perdido. Para acompanhar, terei que apostar alto também. Nervoso, eu cubro. Só me restam poucas fichas. Que a sorte esteja comigo.

Não acredito no que vejo, o outro competidor cobre a aposta, ficando com poucas fichas. As cartas vão virando. Perdi. O campeão local também. O competidor internacional levou tudo. Agora só tenho isso, não tenho muito que fazer. O prêmio de segundo lugar é bom, cem mil reais, mas não paga nem minha casa. Nessa hora, lembro-me do rosto da minha esposa quando tivermos que vender nossas coisas. As lágrimas teimam em descer pelo meu rosto, mas, me contenho. Não posso demonstrar emoção. Não aqui.

E lá vamos nós, mais uma mão. O máximo que consigo agora é um flush. Minhas chances são baixíssimas. Nossa. E não é que eu consegui? Consegui. Ganhei essa mão. Minha sorte ainda não acabou.

Novas cartas. Vamos lá. Ganhei. Nossa, estou com tudo. Estou ganhando, estou tirando todas as fichas dessa cara. Começo a achar que tenho chances, realmente, de verdade. Um sorriso aqui e ali escapa, não tenho como me conter.

Ganhei. Ganhei o campeonato. Um desconhecido, endividado, um qualquer. Ganhei. Eu derrotei o experiente competidor internacional. Estou me achando a pessoa mais sortuda do mundo. Com caras de poucos amigos (não é para menos), ele me cumprimenta e diz baixinho, no meu ouvido: “Não acabou”. Não entendo o que ele quis dizer, quero comemorar com a minha esposa. Quero pagar minhas dívidas. Quero solucionar meus problemas.

Bom, isso é o que me lembro daquele dia. Estou agora em cima de um banquinho, com as mãos atadas e uma corda em volta do meu pescoço, presa em um galho de jacarandá. Parece que todas as minhas costelas foram quebradas, dói muito quando respiro. É de sabedoria popular que a vida passa diante dos seus olhos no seu leito de morte. O dia da grande mudança, onde tive a chance de mudar a minha vida foi o que passou diante de mim. Por um instante eu fui rico. Por um instante mais eu fiquei vivo.