segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Jogo


Suando frio eu estava. Tenso, nervoso, agoniado, angustiado. Todos os adjetivos do tipo que se enquadram estavam presentes comigo neste momento. Mãos suando. As cartas pareciam escorregar pelos meus dedos. As escondi com a face virada para baixo na mesa. Bobeira. Não posso marcar bobeira e me denunciar. O pessoal aqui é experiente, não iam deixar um novato como eu ganhar essa bolada.

Concentração. Muita concentração. Foco. Foco. Vamos. Vamos voltar à mesa. Analisar a situação. Tenho um par de ases. Acabou de virar mais um ás, já faz uma trinca. Isso é bom demais, está tudo caminhando para um belo desfecho. Não posso me denunciar. Estou aqui na terceira posição, pelo menos, do campeonato. Só enfrentei gente profissional, mas estou aqui, na final. Eu posso. Eu consigo.

Por uns instantes, fui para o meu refúgio, minha mente. Lembrei o que meu pai falava sobre jogo. Ele sempre foi um jogador compulsivo, isso que estragou nossas vidas. Eu sei disso. Não estou jogando por prazer ou lazer. Estou aqui porque estou precisando muito mesmo de dinheiro. Essa oportunidade não vai aparecer tão cedo. Foi ontem que recebi a notícia, pelo rádio...

“Estamos aqui para o sorteio mais aguardado dos últimos tempos: uma oportunidade de disputar o Torneio de Pôquer da Associação Regional e tentar ganhar o grande prêmio – um milhão de reais!” – anunciou o locutor. Muitos tentaram se inscrever, mas poucos conseguiram. Estou com tanta dívida que tentar ganhar este prêmio seria a minha salvação. Eu e minha esposa lutamos muito, mas acabamos perdendo a nossa casa, carro e economias para sanar as dívidas do meu pai. Ela não ficou nem um pouco feliz por eu ser o sorteado, nem sabia que eu tinha me inscrito para participar. Ficou com cara feia até quando eu cheguei à grande final. Agora está me apoiando. Vai entender as mulheres...

“Senhor Hélio, por favor, é a sua vez” – falou a moça da mesa. Perdi-me novamente nos meus pensamentos e não prestei atenção à mesa. Vejo que existe uma possibilidade de flush, o que não seria muito saudável para as minhas intenções.

Estão aumentando a aposta. Eu vou nessa, vou aumentando também. O cara do meu lado é um conhecido jogador internacional. Ao lado dele, um jogador local muito famoso também. Eu sou o único qualquer. O ar de superioridade dos dois me enoja. Vamos ver se vão rir ou chorar, no final. Nervoso, puxo uma rosquinha aqui do meu lado. Preciso de açúcar.

As gotas de suor desciam pela minha face e dificultavam minha visão. Estava calor, mesmo com aquele ar-condicionado, ou estaria eu passando mal? Não poderia ter um ataque, ou algo do tipo. Tenho que continuar.

Aumento a aposta e me concentro em não demonstrar emoção. Tento fugir para minha mente, novamente. Todos me acompanham. Novamente subo a aposta. Merda. O campeão local deu all in. Tô perdido. Para acompanhar, terei que apostar alto também. Nervoso, eu cubro. Só me restam poucas fichas. Que a sorte esteja comigo.

Não acredito no que vejo, o outro competidor cobre a aposta, ficando com poucas fichas. As cartas vão virando. Perdi. O campeão local também. O competidor internacional levou tudo. Agora só tenho isso, não tenho muito que fazer. O prêmio de segundo lugar é bom, cem mil reais, mas não paga nem minha casa. Nessa hora, lembro-me do rosto da minha esposa quando tivermos que vender nossas coisas. As lágrimas teimam em descer pelo meu rosto, mas, me contenho. Não posso demonstrar emoção. Não aqui.

E lá vamos nós, mais uma mão. O máximo que consigo agora é um flush. Minhas chances são baixíssimas. Nossa. E não é que eu consegui? Consegui. Ganhei essa mão. Minha sorte ainda não acabou.

Novas cartas. Vamos lá. Ganhei. Nossa, estou com tudo. Estou ganhando, estou tirando todas as fichas dessa cara. Começo a achar que tenho chances, realmente, de verdade. Um sorriso aqui e ali escapa, não tenho como me conter.

Ganhei. Ganhei o campeonato. Um desconhecido, endividado, um qualquer. Ganhei. Eu derrotei o experiente competidor internacional. Estou me achando a pessoa mais sortuda do mundo. Com caras de poucos amigos (não é para menos), ele me cumprimenta e diz baixinho, no meu ouvido: “Não acabou”. Não entendo o que ele quis dizer, quero comemorar com a minha esposa. Quero pagar minhas dívidas. Quero solucionar meus problemas.

Bom, isso é o que me lembro daquele dia. Estou agora em cima de um banquinho, com as mãos atadas e uma corda em volta do meu pescoço, presa em um galho de jacarandá. Parece que todas as minhas costelas foram quebradas, dói muito quando respiro. É de sabedoria popular que a vida passa diante dos seus olhos no seu leito de morte. O dia da grande mudança, onde tive a chance de mudar a minha vida foi o que passou diante de mim. Por um instante eu fui rico. Por um instante mais eu fiquei vivo.

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