quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Diante dos Olhos



Cinco.

Estávamos esperando papai chegar. A ansiedade tomava conta, era um almoço especial que mamãe fez em homenagem à promoção que ele recebeu. A nossa vida agora só tendia a melhorar, afinal, foram tantos anos no banco até este momento, quando ele virou gerente, com direito a aumento substancial.

Onze e meia da manhã, papai deve chegar logo. Os desenhos da TV estavam quase acabando, daqui a pouco começa o jornal local, quando ele deve vir. A fome começa a apertar. Aquele assado está com uma cara muito bonita. É o meu prato preferido.

Doze e meia. O pneu deve ter baixado, ou deve ter ficado sem combustível. Mamãe está com uma feição de angústia, não para de olhar no relógio. Já tentou falar com o pessoal do banco, mas disseram que ele saiu tem um tempinho. É... Daqui a pouco ele chega.

Duas horas da tarde. Mamãe serviu almoço para eu e meus irmãos, estávamos com fome. Ela nem comeu, está ao lado do telefone esperando notícias. Eu já começo a achar que apareceu algum imprevisto, só pode. Não é comum esse atraso. Até nós estávamos preocupados já.

Cinco horas da tarde, hora que eu acordei e fui procurar pelo meu pai no quarto. Não tinha ninguém. Ouço o choro da minha mãe na cozinha, está sendo amparada pelos meus avós e tios. Depois descobri o que aconteceu. Papai parou em um sinal vermelho, foi abordado por dois homens armados que acertaram um tiro. Foi morte instantânea. Papai...

Quatro.

Não sou o mais forte, o mais bonito ou o mais carismático da turma. Sempre fui o cara que é escolhido por último no futebol, o que senta na primeira carteira da fila, na frente do professor, que ouve gracinhas dos colegas. Uns dois ou três ainda falam comigo.

O seu nome era Madeline Francesce. Neta de imigrantes franceses que vieram tentar a sorte aqui no Brasil. Nasceu em berço de ouro. Tinha tudo do bom e do melhor. Já eu, de família simples, estava na mesma escola com ajuda de uma bolsa de estudos integral. Reuni coragem e fui falar com ela.

Já fazia uns bons três anos de paixão platônica. Não custava nada ir lá tentar. Ensaiei na frente do espelho horas. Chegando na hora, a perna bambeou, o suor frio desceu pela coluna. Falei tudo o que havia treinado antes, as duas frases. Ainda lembro-me do riso dela. Foram minutos rindo, e alto. No final, todos estavam rindo de mim. Nunca existe um buraco para nos enfiarmos nesses momentos...

Três.

Trabalhar de dia e fazer faculdade à noite é muito cansativo mesmo. Não sei mais o que é ter uma boa noite de sono. Sempre tem alguma coisa para fazer no trabalho. Sempre tenho alguma atividade do curso. Teve até aquela vez que dormi durante uma prova, só não tirei zero porque a professora foi muito boazinha comigo e me deixou fazer novamente.

Mesmo com os altos e baixos, me formei no tempo. Sou administrador de empresas. Contra tudo e contra todos, consegui. Quase fui o laureado da turma. Ajudou-me bastante essa experiência para conseguir estar onde estou hoje.

Dois.

Entrar na polícia foi o primeiro passo. Combater os criminosos era o meu desejo. A academia foi complicada, mas nada que eu não pudesse superar. Sou muito batalhador e guerreiro. Até recebi um prêmio de destaque da turma. Todos estão felizes. Mamãe está na primeira fila, me vendo usar este uniforme, com o maior orgulho.

Depois de tanta coisa, de tanto sofrimento e luta, consegui me tornar um policial. Comecei a fazer patrulhas, fui designado a cuidar do bairro onde eu nasci e cresci. Conheço todas aquelas ruas e becos, vielas e avenidas. Era um excelente lugar para morar, até que chegou aquela turma. Eu sei onde moram e o que fazem, mas eles também me conhecem e conhecem a minha família. Meu dever como oficial da lei deverá estar acima de tudo. Tenho que limpar as ruas da escória. Tenho que fazer com que aqui volte a ser um lugar calmo e tranquilo.

Um.

Comemoração de ano novo. Todos reunidos aqui em casa. Depois de anos, consegui reunir a família, os irmãos, mãe. Meus sobrinhos estão fazendo a maior bagunça, correndo de um lado para o outro. Fazia tempo que não me sentia assim, tão feliz.

Passando pela sala, vejo os pequenos mexendo com um presente. Estranho. O Natal já passou. Não me lembro de ter ficado algum presente aqui. De quem será? Aproximo-me para descobrir.

Abro um pouco o embrulho. Percebo algo. Peço que todos saiam e vão para longe. Pego o meu celular e chamo os amigos de farda. Faz aproximadamente cinco meses que entrei no esquadrão antibombas. Sei reconhecer uma ameaça. Só consigo olhar para aqueles números regridindo.

Já perceberam que a sua vida inteira passa diante dos seus olhos em uma situação como essa? Ainda bem que não. A minha acabou de acabar...

Zero.

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