segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tentando Mudar


Segunda-feira, 03 de Maio de 2010.
Estou aqui, no meu apartamento, escrevendo no meu diário. Tentei juro que tentei. Não consegui. Foram momentos difíceis, o meu filho chorando, com fome, eu precisava de dinheiro para poder comprar comida. Que mãe não faria o mesmo? Que mãe, ao ver o seu filho chorar, com fome, não procuraria todas as maneiras possíveis de ajudar? Tentei, juro que tentei.

Terça-feira, 04 de Maio de 2010.
Não estou nem um pouco animada para escrever, mas sinto aqui um lugar para desabafar. Eu preciso desabafar com alguém. Há muito tempo não sei o que é ter o ombro de um amigo para poder fazer essas coisas. Aqui, no meu diário, eu posso.

Hoje eu fiz novamente. Tenho que conseguir a grana, meu filho não pode passar necessidade. Eu tenho que fazer. Eu tenho que trazer comida para casa. Eu... Não me orgulho disso...

Quinta-feira, 06 de Maio de 2010.
Estava andando pelo centro, 19h, desde 10h da manhã batendo perna procurando um emprego, quando ele apareceu. Parecia bom demais para ser verdade. Claro que relutei, não ia fazer aquilo novamente. Por que as coisas tem que ser assim? Meu filho estava na casa da minha mãe. Odeio ter que deixa-lo lá, mas precisava sair e procurar um emprego. Não queria ter que fazer novamente... Mas o fiz... Vergonha...

Sexta-feira, 07 de Maio de 2010.
Orgulho? Vaidade? Não sei mais o que é isso. Isso não me pertence mais. Perdi quando fiquei desempregada, quando vi o meu filho chorar e não ter o que dar de comida. Eu tenho que fazer. Eu preciso fazer.

Hoje, novamente, ele apareceu. Agora um pouco diferente. Parecia mais... Hmmm... Digamos amistoso. Parecia se importar. Parecia. Tudo foi por água abaixo quando aqueles outros chegaram. Nunca havia feito nada parecido, nem nos meus mais perversos sonhos (ou pesadelos). Eu me sinto muito suja. Eu preciso mudar, eu tenho que mudar.

Segunda-feira, 10 de Maio de 2010.
Neste fim de semana fiz uma viagem. Gostaria muito de ter ido passear, ver lugares diferentes, poder aproveitar. Meu filho, novamente, jogado na casa da minha mãe. Eu, novamente, jogada em meio àquelas pessoas nojentas e imundas. Pensei tanto em acabar com tudo, acabar com esse sofrimento... Eu ainda penso, pra falar a verdade. E como penso. Trazer comida para casa, ver o meu filho alimentado compensa... Tem que compensar.

Terça-feira, 11 de Maio de 2010.
Após dias e dias procurando, finalmente, encontrei. Sim, estou empregada. Estou tão feliz. Posso largar tudo aquilo, deixar o que passou para trás. Estou muito feliz mesmo. Tá, não é o emprego dos sonhos, nem ganho tanto dinheiro assim, mas estou trabalhando dignamente, estou trabalhando pesado para conseguir tudo.

Quarta-feira, 12 de Maio de 2010.
Poxa, pensei que iria tudo passar, as coisas iriam mudar. Ele apareceu no meu emprego. Não acredito. Ele me seguiu até lá. E o pior, fez o que queria: fui demitida. Eu não consegui nem explicar que aquele cara não era ninguém. Meu chefe não me deu ouvidos. Aquela cena, em meio aos clientes e outros empregados, foi demais. Eu o odeio.

Quinta-feira, 27 de Maio de 2010.
Estou escrevendo de outra cidade. Fugi às pressas com o meu filho. Juntei tudo o que tinha e o que não tinha, peguei uma grana com a minha mãe e vim para esta cidade no litoral, em outro estado. Agora são 600 km me separando daquela vida. Espero que, aqui, finalmente, possa dar um rumo à minha vida.

Sexta-feira, 28 de Maio de 2010.
As coisas vão bem, estou empregada, tenho um lugar pra morar e tudo. Tudo isso em apenas 2 dias, ontem e hoje. Nossa, parece que, aqui, aqui sim, é o meu lugar. Muito feliz.

Dormi na rodoviária, encontrei uma senhora que precisava de ajuda em casa. Não tenho medo, eu e meu filho estamos aqui mudando de vida. Esta senhora é muito boa mesmo, nem se importou de ter uma criança comigo, me chamou para trabalhar em sua casa e pagando até que bem.

Sábado, 29 de Maio de 2010.
Trabalho muito, mas não reclamo. Eu e meu filho estamos muito bem. Consigo botar a cabeça no travesseiro e relaxar. Nossa, tanto tempo que não fazia isso.

Domingo, 30 de Maio de 2010.
Pensei que essa senhora fosse sozinha, mas ela tem três filhos. Um, infelizmente, faleceu ano passado, morava aqui com ela. Ela tem uma filha morando no exterior e outro que não dá notícias há uns 10 anos, pelo que me contou. Sinto que é muito sozinha, mas estou aqui para ajuda-la também. Trabalha na rodoviária vendendo passagens. Deveria estar aposentada, mas, ao que parece, ficaram com pena de manda-la embora. Marido não tem, ele foi embora quando os filhos ainda eram crianças. Uma guerreira, um exemplo de mulher batalhadora.

Quarta-feira, 16 de Junho de 2010.
As coisas vão bem, nem tempo para escrever aqui tenho. Meu filho está adorando a casa nova, não nos falta nada. Faço companhia e ajudo à senhora. Estamos felizes. Só sinto muita falta da minha mãe, ficou com a minha irmã. Não volto mais pra lá, não me arrependo. Espero poder trazer elas para cá o mais rápido possível.

Sexta-feira, 18 de Junho de 2010.
O improvável, o impossível aconteceu: ele apareceu. Sim, ele apareceu aqui. Não sei como, mas conseguiu descobrir onde estou e veio aqui. Estou com medo, veio e falou com a minha patroa. Ainda bem que ela não disse nada, não confirmou a história. Eu contei para ela tudo o que se passou, tudo o que ele me fez. Ela entendeu minha situação e me apoiou. Se aparecer aqui novamente, vou à polícia.

Sábado, 19 de Junho de 2010.
Estou mantendo este diário como forma de ter um registro de tudo o que acontece comigo. Tenho medo. Eu o vi passar na rua, ao longe. Não saio mais de casa. Meu filho também nem brinca mais do lado de fora. Medo é a palavra mais comum aqui.

Segunda-feira, 21 de Junho de 2010.
Não aguento mais, nem a polícia dá jeito. Fui e dei queixa, mas não fizeram nada. Devem estar esperando que aconteça algo.

Quarta-feira, 23 de Junho de 2010.
Meu filho sumiu. Estou desesperada. Já procurei em tudo quanto é lugar, mas não o encontro. Estou aqui escrevendo para manter o registro, quero que tudo fique noticiado. Estou voltando para as ruas, se aquele filho da mãe fez algo com o meu filho, ele vai se arrepender profundamente. Minha patroa também está me ajudando, mas não obtivemos nenhuma pista, até agora.

Sábado, 26 de Junho de 2010.
Estou eu aqui de volta à minha cidade natal. Aquele cara (cujo nome não gosto nem de mencionar) está com o meu filho. Eu terei de fazer o que ele pede, senão ele mata o meu bebê. Eu não posso falar com a polícia, em quem iriam acreditar, em mim ou nele? Claro que nele. Ele é bastante influente. Eu estou tão desesperada.

Segunda-feira, 28 de Junho de 2010.
Por que eu? Tantas mulheres no mundo, por que ele tinha que escolher justamente a mim? Eu tive que voltar a fazer certas coisas que não me orgulho. Tive que me submeter aos caprichos de pessoas. Eu ouvi a voz do meu filho ao telefone, sei que está vivo. Estou tentando descobrir onde ele está.

Terça-feira, 29 de Junho de 2010.
“Jornal da Tarde”
Após receber uma denúncia, a polícia encontra o corpo de uma mulher com uma criança a abraçando. Trata-se de Laura Silva Medeiros, 29 anos, natural deste município. Segundo o que apurou a nossa reportagem, ela havia tentado mudar de vida, mas não teve chance, encontraram-na morta em um farol abandonado. Mais informações estarão disponíveis em breve.

Terça-feira, 29 de Junho de 2010.
Programa de TV “Acontece na Cidade”
Foi encontrado hoje o corpo de Laura Silva de Medeiros. O seu filho, o menor P.S.M., estava abraçando o corpo já sem vida de sua mãe. Pelo que apurou a polícia, Laura era obrigada a cometer crimes em nome de Jucier de Magalhães. Eles iam de prostituição, tráfico de drogas a assassinatos. O corpo de Jucier foi encontrado no mesmo lugar, um farol abandonado no município vizinho. Aparentemente, ela foi tentar resgatar o seu filho que era mantido em cárcere por Jucier. Um diário foi achado também. Ele servirá como base para as investigações. Em breve, mais informações.

Quarta-feira, 30 de Junho de 2010.
Programa de TV “Acontece na Cidade”
Como foi noticiado ontem pelo nosso programa, a polícia conseguiu apurar o que aconteceu no farol abandonado. Mesmo em estado de choque, a criança conseguiu descrever o que aconteceu. Usando as suas palavras, disse que sua mãe chegara para salvá-lo, conseguindo descobrir onde o homem mau o havia deixado. Jucier os surpreendeu, houve troca de tiros, e Laura conseguiu matar o sequestrador. Pediu que o filho o abraçasse, fez uma ligação em seu celular e esperou. Estava ferida mortalmente. Pouco antes de a polícia estourar o cativeiro, Laura morreu devido à hemorragia. A criança está aos cuidados da avó materna. Que Deus guie os seus passos.

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